João Tabarra, This is not a Drill (No Pain No Gain), 1999
João Tabarra, This is not a Drill (No Pain No Gain), 1999

MNAC

entrada: Condições Gerais

No Pain No Gain

João Tabarra

2000-03-31
2000-06-18
Curadoria: Pedro Lapa
A VIDA DAS IMAGENS DE JOÃO TABARRA
Pedro Lapa


As Che Guevara said during the 1960’s, whatever you do, that’s your trench. So this is my trench and I trust my agenda. People misunderstand this, thinking that for the “revolution” to succeed, everyone must literally go into the trenches. But no, we need hairdressers, bakers, carpenters, pastry chefs, artists - not just guerrillas. As it is impossible to ever escape ideology, maybe the only way out is to work with the different levels of contradictions in our culture.

Felix Gonzalez-Torres



Foi a partir de 1993 que o trabalho de João Tabarra, até aí situado exclusivamente no domínio da fotografia, sofreu uma significativa alteração. Ao rigor do preto e branco de uma fotografia forjada em enquadramen­tos que tiravam partido das geometrias dos lugares, servida por uma distribuição sensitiva e poética da luz, sucedeu-se uma consciência do valor dos signos e das imagens ou da respectiva circulação de sentidos. Como muitos outros artistas da sua geração afastou-se de uma prática artística confinada à exploração de um medium e das suas possibilidades para aprofundar uma interrogação sobre os laços que constituem os sentidos das imagens. A fotografia pode aparecer assim no seu trabalho com características mais ou menos convencionais, passíveis de aproximação aos tradicionais e variados domínios que a sua prática literal ser­ve, todavia as respectivas regras formais passam a constituir um engodo, através de uma deslocação de contexto, enquadramento ou subtil narrativa. As expectativas do observador são por isso deslocadas e os aspectos conceptuais subjacentes revelam-se constitutivos de um acto crítico. De resto, importa salientar que o trabalho de João Tabarra não se circunscreve à fotografia, antes desenvolvendo uma deriva por ou­tros suportes como o vídeo ou o objecto. Não se trata já de explorar as possibilidades de um medium à boa maneira Modernista ou de o revisitar como cenário de uma poética anterior ao trabalho artístico assim con­finado à sua materialização, como aconteceu com alguns trajectos conservadores surgidos num contexto Pós-moderno.
A deslocação do medium supõe uma arqueologia de sentidos mais profunda do que as suas práticas li­terais revelam. As condições da significação, sejam elas de natureza semiótica, social, antropológica ou polí­tica, tornam-se susceptíveis de objectivação e revelação dos mecanismos intrínsecos. Neste sentido, gran­de parte do trabalho artístico próprio da geração de João Tabarra tem-se desenvolvido nestes pressupos­tos críticos. Se muitos artistas de uma geração anterior, na sequência da Pop Art, iniciaram um trabalho centrado nos valores ideológicos latentes das imagens mediáticas e daí procederam a uma reutilização e recontextualização crítica dos seus processos de significação, tomados quase sempre de um ponto de vista social, nos trabalhos desta geração - a de João Tabarra - o processo foi ampliado e assiste-se sobretudo a um trânsito entre o social e uma exposição do domínio biográfico e pessoal, com isso estabelecendo o res­pectivo apagamento das fronteiras desta dicotomia. De certo modo, o percurso de João Tabarra é exemplar deste movimento.
No curso do seu trabalho é notória uma noção de estratégia que passa por uma infiltração e intervenção em situações sintomáticas recreadas. A agressão directa ou a subversão provocatória são preteridas por não suscitarem um potencial co­municativo. O reconhecimento de situações comuns de teor vagamente narrativo funciona como dispositivo embraiador de interrogações que procura suscitar no público. Em todos os trabalhos o humor opera uma sedução quase imediata que potencia o seu aspecto comunicativo, mas paralelamente é o modo de analisar e confrontar os vários as­pectos da imagem, a sua pretensa retórica ou mesmo ideologia, que se desvelam como trama absurda de manipulação. As imagens surgem por isso sobrecodificadas: a uma pretensão ideológica declarada sobre­põe-se o olhar que devolve os mecanismos que a geram. A condição anti-heróica e de ‘travestimento' da imagem pode ser explorada com ironia e o humor que envolve situar-se no pólo oposto ao da anedota, an­tes se afirmando como um diálogo sobre a lucidez.