Portugal na Grande Guerra; Uma sepultura portuguesa na terra de ninguém

, c. 1918

Adriano Sousa Lopes

Água-forte

21 × 29,2 cm
assinado
Inv. 567
Historial
Adquirido pelo Estado em 1924.

Exposições
Lisboa, 1980, 56, p.b.; Lisboa, 2010.

Bibliografia
Sousa Lopes. Exposição de Homenagem (…), 1962; Sousa Lopes, 1980, 56, p.b.; SILVA (et al.), 1994, 118, cor; GONÇALVES, 1999, 48-49; SIMAS, 2002, 116, p.b.
Artista enviado para a frente de batalha, em 1917, Sousa Lopes capta a dramaticidade da participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial, numa situação comum a artistas de outras nacionalidades, traduzindo, através da imagem, as ideias de heroicidade e de patriotismo ligadas a um desejo de registo da violenta e surpreendente «espectacularidade» da guerra. O historial emotivo destas crónicas de guerra, registadas em pintura, desenho e gravura, revela expressivas despedidas de soldados, mães chorosas, marchas fatigantes, refeições de rancho, mas, essencialmente, bombardeamentos, cenários de mortes e cemitérios. Estes dramáticos instantâneos de Sousa Lopes, captados no local, foram posteriormente desenvolvidos e aprofundados, cerca de 1918, num casarão de Boulevard Victor, na periferia de Paris.
Da excepcional colecção de águas-fortes, destacam-se Sepultura em terra de ninguém, Encruzilhada perigosa, Lacouture sob o bombardeamento de 9 de Abril, Portugal na Grande Guerra e Ferme du Bois, distribuição do rancho, singulares gravuras caracterizadas por um traço expressivamente enérgico, reveladoras da emoção e envolvimento do artista no tratamento da cena. Incisões violentas sublinham o traço relevado de uma tosca cruz abandonada num lamaçal ou pântano, como se o pintor empiricamente pressentisse que, depois daquele campo de morte em que a Europa se tornara, a arte não voltaria a referenciar-se pelos mesmos valores. A cruz, significante arruinado de esperança e fé cristã, materialização deste sentimento, impõe-se com uma impiedade igualmente visível nas cenas de bombardeamento, num cenário quase irreal de aridez, destruição, representação de um rebentamento de granada, onde se avista uma linha de capacetes numa trincheira, sinais de sofrimento humano em cenário cruel e inóspito. O realismo da cena e o seu dinamismo encontram-se também numa encruzilhada perigosa, no esforço enérgico da caminhada. Preenche as formas através de pequenos traços sobrepostos ou de movimentos circulares que adensam toda a composição, alterando esta técnica para uma trama rectilínea na descrição de um ambiente de pausa, a distribuição do rancho, num espaço confinado e parcialmente destruído.

Maria Aires Silveira