Cabeça

, c.1913–1915

Amadeo de Souza-Cardoso

Óleo sobre cartão

19 × 17 cm
Inv. 1546-A
Historial
Adquirido pelo Estado ao pintor Eduardo Viana, em 1953.

Exposições
Lisboa, 1959, 104; Porto, 1959, 104; Lisboa, 1987, 257, cor; Castelo Branco, 2001, 11, cor; Lisboa, 2002; Lisboa, 2005; Lisboa, 2006, 117, cor; Lisboa, 2009.

Bibliografia
Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918), 1959, 104; Centenário do Nascimento (…), 1987, 257, cor; SANTOS, 2001, 11, cor; Amadeo de Souza-Cardoso: Diálogo de Vanguardas, 2006, 117, cor; FREITAS, 2008, 272, cor.
Estes estudos de Cabeças constituem um motivo que ocupou com uma certa persistência a pintura de Amadeo, não se sabendo exactamente quando, embora a maior probabilidade para a sua ocorrência aponte para os anos que medeiam entre 1913 e 1915. A assunção de valores próprios do moderno entendimento da arte africana é experienciada, curiosamente posterior ao desenvolvimento de uma prática específica da sua pintura que fundiu o Cubismo com o Orfismo, em 1913, e experimentara já a Abstracção. O enfoque destes estudos é feito através da memória das obras de Picasso. Assim, a máscara substitui-se ao rosto e, nas linhas negras e espessas que definem a fisionomia, revela-se um cloisonné que privilegia fortes angulosidades e aparenta estas pinturas com alguns aspectos expressionistas até então alheios ao artista. A exposição em que participa em 1913 em Berlim, na galeria Der Sturm, e onde se deslocou, pode explicar o interesse pelo Expressionismo, vanguarda cronologicamente anterior ao Cubismo. Uma ponte entre Expressionismo e Cubismo foi assim possível concretizar.
Na primeira destas Cabeças (inv. 1546-B) a memória de Picasso é um dado imediato, todavia o sintetismo do desenho anguloso de cabeça/máscara procura em certos pormenores, como os olhos ou a boca, um esgar que supõe uma empatia expressiva com a força anímica que a habita. Outro aspecto que reforça a interioridade melancólica destas Cabeças é a sua inclinação, o que nas futuras Têtes Ocean desaparecerá.
Se na primeira (inv. 1546-B) as cores são apenas apontadas de modo incompleto indicando os planos constitutivos, na segunda (inv. 1546-A) as tonalidades sombrias destes procuram criar volumes dentro de uma construção de pendor cubista. O fundo abstracto e sombrio enfatiza o motivo e o sofrimento deste. Uma espessa linha de fronteira que aproveita habilmente a cor do material de suporte, conferindo luminosidade, tem uma filiação mais expressionista e lembra alguns rostos de Rouault que Amadeo poderá ter visto em Paris, na exposição individual que este realizou em 1910.
Na terceira Cabeça (inv. 1546-C) o espaço é submetido a uma análise de planos e contrastes filiado no Cubismo sintético. As características expressionistas reduzem-se a um mínimo de traços negros vigorosos e o rosto é dissecado em planos dentro de um espaço bidimensional, a que a tonalidade castanha pretende subtilmente relevar em relação aos planos contrastantes do fundo cinza. A cor crua do suporte é aproveitada para ritmar com maior intensidade, quer o motivo quer o fundo, e assim repor a ambiguidade cubista forma/fundo. Um dos factores que tornam possível este aspecto é a reduzida dimensão das obras que favorece o inacabado. O carimbo com a assinatura, realizado ou não pelo artista, tem também uma interessante participação nas peças, vinculando-as mais a uma poética cubista.

Pedro Lapa